Somente o tempo diz,
que confiança é vidro,
que ganância é pedra,
que desprezo é arrependimento,
que ilusão é tombo,
que mentira é espelho.
Somente o tempo diz,
que confiança é vidro,
que ganância é pedra,
que desprezo é arrependimento,
que ilusão é tombo,
que mentira é espelho.
Que raras deusas têm escutado
Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?
Quem to disse tão cedo?
Não fui eu, que te não ousei fazê-lo.
Não foi um outro, porque o não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?
Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei?
Seja o que for, quem foi que levemente,
Ao teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?
Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca
A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.
Fernando Pessoa
Quis Deus dar-me o condão
de ser sensível
Como o diamante à luz que o alumia,
Dár-me uma alma fantástica, impossível
Um bailado de cor e fantasia!
Quis Deus fazer de ti a ambrosia
Desta paixão estranha, ardente, incrível!
Erguer em mim o facho inextinguivel,
Como um cinzel brincando uma agonia!
Quis Deus fazer-me tua...para nada!
Vãos, os meus braços de crucificada,
Inúteis, esses beijos que te dei!
Anda! Caminha! Aonde?...
Mas por onde?...
Se a um gesto dos teus a sombra esconde
O caminho de estrelas que tracei...
Florbela Espanca