29.6.21

Natália Correia



 Quanto Mais Amada Mais Desisto

De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.

E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.

Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.

Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.


15.6.21


 

Maturidade


 

Deus

 Deus é a alma de tudo.

Que se negue a existência dessa inteligência, ou seja, 

de Deus, é coisa que me parece uma daquelas estupidezes 

que tantas vezes afligem, num ponto da inteligência, 

homens que, em todos os outros pontos dela, podem ser 

superiores; como os que erram sempre as somas, ou, ainda, 

e pondo já no jogo a inteligência da sensibilidade, os 

que não sentem a música, ou a pintura, ou a poesia.

 

[Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa]

7.6.21


 

Ryan Resatka

Califórnia 


 



Mia Couto, Mar me quer

 


Pois, lhe digo, minha Dona. É uma pena a senhora andar por aí fatigando seus olhos pelo mundo. Devia era, logo de manhã, passar um sonho pelo rosto. É isso que impede o tempo e atrasa a ruga. Sabe o que faz? Estende-se aí na areia, oblonga-se deitadinha, estica a alma na diagonal. Depois, fica assim, caladita, rentinha ao chão, até sentir a terra se enamorar de si. Digo-lhe, Dona: quando ficamos calados, igual uma pedra, acabamos por escutar os sotaques da terra. A senhora num certo momento, há-de ouvir um yrmina. Eu tiro boas vantagens desses silêncios submarinhos. São eles que me fazem adormecer ainda hoje. Sou criança dele, do mar.


Shakespeare

 


 Se a rosa tivesse outro nome, 
ainda assim teria o mesmo perfume