Devagar no jardim a noite poisa
E o bailado dos seus passos
Liberta a minha alma dos seus laços,
Como se de novo fosse criada cada coisa.
Devagar no jardim a noite poisa
E o bailado dos seus passos
Liberta a minha alma dos seus laços,
Como se de novo fosse criada cada coisa.
A dor dos outros
Está fora da janela.
Entristece-nos
Como um ciclo de chuvas
Mas não nos molha os pés
Nem os cabelos.
Por vezes avistamo-la
Na soturna rua
Que a medo atravessamos.
Ou no café
Onde uma mão se estende.
Vamos então ao armário maior
Buscar o dó, a pena.
E ao porta-moedas
Rebuscar uns trocos.
Alguns de nós
Mas poucos, muito poucos,
Guardaram bagas
Que o tempo lhes ditou.
Verdades que hibernaram
No gelo das idades
E germinaram em caverna escura.
Só esses têm a coragem de ver
Que a dor dos outros
É sempre a nossa dor
Que anda em viagem.
E que, curvada,
Ao peso da bagagem
Nos persegue
E procura.
Deu-me Deus bodas vermelhas
E palavras como abelhas
Esquecendo-se de mim.
Deu-me a paz de alguns minutos
E palavras como frutos
Esquecendo-se de mim.
Deu-me as ideias formosas
E palavras como rosas
Esquecendo-se de mim.
Deu-me a voz que persuade
Muito mais do que a verdade
Esquecendo-se de mim.
Mas um dia, veio a dor
Veio o castigo sem fim
Veio este estranho fulgor
Apartando o bem do mal
E vi que Deus afinal
Já se lembrava de mim...
Porque vejo nos teus olhos
sem os ver
Porque sinto a tua presença
sem a ter
Porque me escutas
sem me ouvires
Porque me afagas
sem me tocares
Porque me olhas
sem me ver
Porque derrotas
a minha solidão
Porque me iluminas
quando há escuridão
Porque és
Verdade
Luz
Espelho
Água
Vida
Sorriso
Ponte
Mar
Casa
Porque és
partilha
És
meu amigo.