9.11.21

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN




Devagar no jardim a noite poisa

E o bailado dos seus passos

Liberta a minha alma dos seus laços,

Como se de novo fosse criada cada coisa.

ISABEL FRAGA, in MÚSICA DAS ESPERAS,

 


A dor dos outros

Está fora da janela.

Entristece-nos

Como um ciclo de chuvas

Mas não nos molha os pés

Nem os cabelos.


Por vezes avistamo-la

Na soturna rua

Que a medo atravessamos.

Ou no café

Onde uma mão se estende.


Vamos então ao armário maior

Buscar o dó, a pena.

E ao porta-moedas

Rebuscar uns trocos.


Alguns de nós

Mas poucos, muito poucos,

Guardaram bagas

Que o tempo lhes ditou.

Verdades que hibernaram

No gelo das idades

E germinaram em caverna escura.


Só esses têm a coragem de ver

Que a dor dos outros

É sempre a nossa dor

Que anda em viagem.

E que, curvada,

Ao peso da bagagem

Nos persegue

E procura.




 



 

3.11.21

ESTRANHO FULGOR

 


Deu-me Deus bodas vermelhas

E palavras como abelhas

Esquecendo-se de mim.


Deu-me a paz de alguns minutos

E palavras como frutos

Esquecendo-se de mim.


Deu-me as ideias formosas

E palavras como rosas

Esquecendo-se de mim.


Deu-me a voz que persuade

Muito mais do que a verdade

Esquecendo-se de mim.


Mas um dia, veio a dor

Veio o castigo sem fim

Veio este estranho fulgor

Apartando o bem do mal

E vi que Deus afinal

Já se lembrava de mim...


PEDRO HOMEM DE MELLO

AMIGO

 


Porque vejo nos teus olhos

sem os ver

Porque sinto a tua presença

sem a ter

Porque me escutas

sem me ouvires

Porque me afagas

sem me tocares

Porque me olhas

sem me ver

Porque derrotas

a minha solidão

Porque me iluminas

quando há escuridão

Porque és

Verdade 

Luz

Espelho

Água

Vida

Sorriso

Ponte

Mar

Casa

Porque és

partilha

És

meu amigo.


FÁTIMA GUIMARÃES 

Tagua Tagua

 Voa num mergulho fundo E nada demais Segue livre pelo mundo Que o mundo vai atrás Samba no caminho torto E não cai jamais Se te fisguei, te...