4.12.21

PARA QUE NINGUÉM A QUISESSE



 Porque os homens olhavam demais 

para a sua mulher, mandou que 

descesse a bainha dos vestidos 

e parasse de se pintar. 

Apesar disso, sua beleza chamava 

a atenção, e ele foi obrigado a exigir 

que eliminasse os decotes, 

jogasse fora os sapatos 

de saltos altos. 

Dos armários tirou as roupas de seda, 

da gaveta tirou todas as jóias. 

E vendo que, ainda assim, um ou 

outro olhar viril se acendia 

à passagem dela, pegou a tesoura 

e tosquiou-lhe os longos cabelos.

Agora podia viver descansado. 

Ninguém a olhava duas vezes, 

homem nenhum se interessava 

por ela. Esquiva como um gato, 

não mais atravessava praças. 

E evitava sair.

Tão esquiva se fez, que ele foi 

deixando de ocupar-se dela, 

permitindo que fluísse em silêncio 

pelos cômodos, mimetizada com 

os móveis e as sombras.

Uma fina saudade, porém, 

começou a alinhavar-se 

em seus dias. 

Não saudade da mulher. 

Mas do desejo inflamado 

que tivera por ela.

Então lhe trouxe um batom. 

No outro dia um corte de seda. 

À noite tirou do bolso uma rosa 

de cetim para enfeitar-lhe o que 

restava dos cabelos.

Mas ela tinha desaprendido 

a gostar dessas coisas, nem pensava 

mais em lhe agradar. Largou o tecido 

em uma gaveta, esqueceu o batom. 

E continuou andando pela casa 

de vestido de chita, 

enquanto a rosa desbotava 

sobre a cômoda.


MARINA COLASANTI, 

in CONTOS DE AMOR RASGADOS 


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