27.10.21
23.10.21
18.10.21
15.10.21
Escrevências Inventosas
Pelo minguado espaço da esperança eu enxerguei o mundo. O céu parecia nebuloso, longe de ser alcançado pelo meu olhar aquebrantado, despido de coragem. Acordei sozinha, vi a pele ser rasgada pela frieza do abandono, as horas pirraçavam, os ponteiros teimavam em não sair daqueles instantes que perpetuavam a lenta agonia. Caminhei com uma fadiga que peava as forças de minhas pernas, senti o tempo pesar nas panturrilhas cansadas de tantas desistências.
A porta emperrada do guarda-roupa, a escrivaninha desarrumada, a penteadeira repleta de frascos vazios – a vida se fazia inteiramente desabitada de mim. O robe cobria meu corpo, através do tecido senti a pele quente -, mas dentro de mim o silêncio reverberava e se transformava num frio intenso, congelante. Inútil saber que lá fora o dia me chamava, ordenava que as janelas fossem escancaradas e que as cortinas esvoaçassem, dançassem um ballet cheio de ternura – eu permanecia prostrada na apatia de uma solidão que limitava minha dança – travei a vida em um “grand plié”, difícil retornar e voar para a imensidão de um “Jeté” que me liberte de todas as barras.
Na escrivaninha as bolas de papel amassado emprestavam um ar de revolta, minhas mãos se recusavam a escrever o que não transformasse o mundo, rejeitavam-se a perpetuar pequenas bobagens, filhas de palavras sem sentido. Carecia gritar no papel que as traças carcomiam pequenas ternuras escondidas embaixo da poeira que camuflava os livros de poesia - alisava as lombadas cheias de pó e deixava o quarto ser invadido por um súbita dança - na luz, que entrava pela fresta ousada, antigas dores pairavam no ar.
Naquela hora vi uma coragem insana voar na claridade intrusa, escuridões antigas se recolheram atrás do velho guarda-roupa, as panturrilhas cansadas começaram a bombear a vida de volta para mim – andei, capenga ainda, mas inteira de minhas certezas. Na mão levei a poesia já livre da poeira de solidões passadas e, sem abrir o livro, minha cabeça leu o que estava escrito naquelas páginas: “As mulheres e as crianças são as primeiras que desistem de afundar navios” – pelo minguado espaço da esperança eu enxerguei o mundo.
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13.10.21
10.10.21
9.10.21
8.10.21
Luís de Camões
Um mover de olhos, brando e piedoso,
Sem ver de quê; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;
Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravíssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
Indício da alma, limpo e gracioso;
Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento:
Esta foi a celeste formosura
Da minha Circe, e o mágico veneno
Que pôde transformar meu pensamento.
6.10.21
As ensinanças da dúvida
Tive um chão (mas já faz tempo)
todo feito de certezas
tão duras como lajedos.
Agora (o tempo é que fez)
tenho um caminho de barro
humedecido de dúvidas.
Mas nele (devagar vou)
me cresce funda a certeza
de que vale a pena o amor.
THIAGO DE MELLO (Brasil, 1926- )
in: "Mormaço na floresta"
4.10.21
DENTRO DAS IMAGENS
Os poemas têm veneno na boca.
Na estrada da minha vida
plantei a árvore
sem saber quem era.
Em que parte do planeta
há mais ódio? A matéria
erosiva transforma o corpo
e não há regresso. Não
restará um monte de estrume.
Em todo o lado
parece que o mundo em desordem
pouco a pouco enlouqueceu
e os homens atam a corda
à espera de que aconteça.
São infelizes
mas não o suficiente.
Não sabem dizer
por que se esquecem de amar
Isabel de Sá. O fim da estrada é uma cova em O real arrasa tudo (Elogio da sombra, 2019)
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A vida é incrível. E depois é horrível. E depois é incrível de novo. E entre o incrível e o horrível, a vida é comum e rotineira. Ins...
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As casas espiam os homens que correm atrás de mulheres. A tarde talvez fosse azul, n...